Nem sempre uma boa ideia vira um bom produto. As sementes dos bons produtos, na verdade, na maioria das vezes acaba não dando em nada. Timing, investimento, bom senso e trabalho duro estão por trás de qualquer sucesso em qualquer indústria. Quando um grande produto vem à tona e consegue levantar a cabeça para fora d’água, uma grande combinação de fatores ocorreu. Assim, se uma economia que não se importa em sacrificar a existência desses fenômenos por causa de um lucro imediato maior, ela tem algo fundamentalmente distorcido, porque a economia é uma instituição da sociedade e tem de servi-la em alguma medida. E, diga-se, a economia tem algo fundamentalmente distorcido.
Um editorial de uma publicação conservadora diria que não há nada errado com o mercado (e os investidores) premerem por mais lucro. Teoricamente, essa pressão jamais seria grande o suficiente para matar o produto ou negócio, porque em tese isso significaria perda de dinheiro. Mas a realidade só conhece a teoria de passagem. O capitalismo do século XXI pressiona por lucros indefinidamente porque a volatilidade do capital permite a você ficar no barco até o último segundo. Como numa clássica cena do filme Margin Call, quando o presidente de um fundo de investimentos é informado que sua empresa quebrará por conta de títulos podres, ele diz. “Eu sou pago para dizer como a música irá estar tocando daqui a um dia, uma semana, um ano. E agora, só ouço silêncio”. E em seguida, ele ordena a venda de dezenas de bilhões de dólares desses títulos (o episódio é real e causou a crise de 2008).
A situação não é tão dramática quanto a trama de Margin Call (baseada na história de como o Lehmann Brothers arrastou a economia para o brejo) – longe disso. Mas os relatórios trimestrais das companhias de capital aberto seguem fazendo vítimas nos departamentos de produto por conta das exigências financeiras que seus acionistas demandam. A queda de mais de 20% no preço das ações do Twitter por conta de um crescimento de “somente” 4% em seu número de usuários no quatro trimestre de 2013 é um sinal de como espera-se de todo produto um crescimento eterno e infinito, mas na realidade, cada um deles tem de respeitar sua própria natureza, e não se desfigurar para atender demandas irreais. Cada vez mais, produtos em tecnologia atenderão nichos – nichos esses que podem ter centenas de milhões de pessoas – mas ainda assim, nichos.
Ainda que seja necessário deixar a ingenuidade de lado – porque acionistas sempre quiseram e continuarão querendo lucros – há considerações pertinentes. Vale a pena espremer um produto para aumentar seu faturamento imediatamente mesmo que isso coloque em risco o futuro da empresa? Ignorar o humor dos usuários/clientes de um serviço é mesmo inteligente numa época onde produtos concorrentes surgem do dia para a noite (vide Snapchat x Facebook)? Será mesmo que é impossível pensar num modelo em que o lucro imediato pode ser deixado de lado para um retorno maior no médio prazo? No mundo de hoje, a resposta é sim, vale a pena espremer o produto e que se dane o futuro. Mas essa realidade vai mudar por bem ou por mal, porque bons produtos vão atender as necessidades desse consumidor cada vez mais volátil.
Num mercado ideal, como o defendido pela hipotética publicação conservadora, a liberdade de movimento e quantidade de opções num determinado setor são totais. Ou seja, você pode ir de qualquer lugar a qualquer lugar quando quiser porque sempre haverá concorrentes ao seu atual provedor de serviços para lhe dar abrigo com uma alternativa válida. No caso dos produtos de tecnologia, a tendência é que essa liberdade aumente entre os grandes concorrentes, tornando a disputa cada vez mais acirrada e empresas e produtos que apostem em monopólios vão perder no longo prazo (vide IBM e Microsoft, para citar dois nomes).
As progressões de regras como a Lei de Moore e a Curva de Carlson apontam para uma volatilidade cada vez maior nos mercados de tecnologia no que diz respeito à entrada de novos participantes – por isso a propagação exponencial das start-ups em países que não têm capitalismos oligoestatais com o o Brasil. Isso deveria servir como alerta para plataformas como o Twitter e o Facebook, atualmente donos absolutos do ecossistema digital no que se diz respeito à experiência do usuário. O mercado, esquizofrênico como é, exige ganhos de capital que vão bem além do razoável para uma sociedade que está começando a se dar conta de que o planeta não consegue acompanhar o ritmo de crescimento econômico com dois dígitos. Assim como a economia, os produtos têm limites de estresse e dificilmente conseguem reaver terreno que venha a ser perdido.
Invariavelmente, os pontos sacrificados em prol de aumento de receita imediato são aqueles ligados à inovação. Investidores tendem a ser conservadores quando seus investimentos já estão dando dinheiro e a inovação tem um grande componente de incerteza. O problema é que a combinação é quase forçosamente um expurgo de usuários numa curva de tempo suficientemente grande, desde que novos concorrentes apresentem-se como opção, condição essa que tende a ficar cada vez mais permanente. Casos como o do MySpace, que passou de líder de nicho a cadáver digital, terão de se repetir mais e mais para que o mercado entenda essa exigência estrutural dos produtos de tecnologia.